Limpa & Aduba, um programa de apoio à produção e gestão florestal

Limpa & Aduba, um programa de apoio à produção e gestão florestal

A gestão activa e profissional da floresta compensa. A CELPA está a implementar um programa numa área de 100 mil hectares, em parceria com os produtores, com os prestadores de serviços florestais e com a indústria. O resultado será um aumento da produção de madeira na mesma área e um menor risco de incêndio.

O programa Limpa & Aduba, promovido pela Associação da Indústria Papeleira (CELPA), surge integrado no projeto Melhor Eucalipto. António Macedo, o responsável por operacionalizar o programa, é um homem cuja vida e profissão está ligada à floresta. Trabalhou como engenheiro florestal na Soporcel durante 18 anos (1985-2002), onde foi responsável pelo Gabinete de Planeamento da Direção Florestal. Entre 2002 e 2005 foi director-geral das Florestas (DGF e DGRF) e administrador do Centro de Biomassa e Energia (CBE). A partir de 2005 foi consultor em várias empresas do setor florestal tendo, depois de 2009, assumido a Administração da Metacortex. Em fevereiro de 2013 foi eleito presidente do Colégio de Engenharia Florestal da Ordem dos Engenheiros (OE). Colabora com a CELPA desde janeiro de 2017, quando foi convidado a integrar e coordenar uma dimensão mais operacional do programa Melhor Eucalipto, da CELPA, de forma a chegar aos privados com uma estrutura de apoio técnico.

António Macedo explica a iniciativa Limpa & Aduba e os motivos que lhe estão na génese. “A ressaca dos incêndios florestais de 2017 resultou na apatia, no desinteresse e no desinvestimento de muitos proprietários e produtores florestais. A esta realidade acresce ainda a aprovação de uma reforma florestal que penaliza e descredibiliza o eucalipto”, conta. O especialista sublinha que quem anda no terreno sabe que há muitas pessoas que perderam a vontade de trabalhar a floresta. Querem ceder, ou vender, os seus terrenos. Uma grande parte dos proprietários já não cumpria os mínimos da gestão florestal ou das boas práticas. “Depois dos incêndios de 2017 essa situação piorou.”

Falta madeira à indústria nacional

A falta de madeira é um problema e o risco aumentado e percepcionado do investimento florestal por parte dos proprietários não ajuda. É uma situação preocupante para a CELPA e para a indústria. Onde deviam crescer 100 estão a crescer 50, mesmos nos solos bons, em resultado do abandono da floresta e da falta de aplicação de boas práticas no terreno.

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Processos simples e desburocratizados que respeitem a autonomia dos proprietários

Além do desfalque que os incêndios causaram no eucaliptal em 2017, há pragas e doenças que também afectam a produtividade. António Macedo coordena um programa de acção ibérico para combater e controlar o gorgulho-do-eucalipto (Gonipterus platensis), pragas que também atingem a produtividade do eucalipto. Se a estes factores juntarmos as restrições e as limitações legais ao plantio, temos então um cenário de grande dificuldade e desequilíbrio entre a produção e o consumo de madeira.

Objectivos do Aduba & Limpa

1. Diminuir o risco de incêndio florestal e as pragas, aumentando a resistência e a resiliência da floresta de eucalipto, através do controlo da vegetação e da selecção de varas.
2. Aumentar a produtividade dos eucaliptos dos privados, através do fomento da gestão florestal com recurso às boas práticas, mas também da promoção do investimento com vista a uma melhor rentabilidade.
3. Melhorar o relacionamento junto dos stakeholders e da opinião pública, fomentando uma melhor imagem da espécie na fileira.
4. Promover a gestão florestal junto dos proprietários e das organizações que os representam.

Promover a gestão por parte dos proprietários

Um proprietário florestal de minifúndio que possua uma pequena parcela de terreno, regra geral, não faz nada para o melhorar. O raciocínio por trás dessa atitude é: “Se tiver sorte ainda me safo – não investi nada e consegui tirar algum dinheiro; se, entretanto, houver um incêndio, não perdi grande coisa porque não gastei nenhum.”

Para combater a inércia e o desinteresse, a indústria decidiu apoiar o setor para promover boas práticas e aumentar a produtividade dos proprietários florestais. Foi no âmbito dessa lógica que, em 2015, surgiu o projecto Melhor Eucalipto. Era importante perceber qual seria a melhor maneira de transferir conhecimento para os proprietários. Criou-se um site com informação, fizeram-se 15 vídeos, que estão muito bem-feitos, sobre boas práticas florestais e diferentes operações. Percorreu-se o País com várias sessões. Tudo o que foi feito teve mérito, mas era preciso ir mais longe e concretizar as operações de gestão florestal recorrendo às boas práticas, numa vertente mais operacional, junto dos proprietários. “Pode-se falar e escrever muito, mas o difícil é fazer obra”, diz António Macedo, referindo que “palavras, leva-as o vento”.

Durante 2017 foram testados no terreno modelos de cooperação com entidades gestoras florestais. Ensaiaram-se dois projetos-piloto, sabendo-se de antemão que, estas experiências poderiam ter alguns insucessos, pois seria possível mostrar o caminho a seguir e a melhor forma de apoiar os proprietários florestais. Os projetos decorreram na região de minifúndio de Cantanhede, onde metade das parcelas do concelho tem uma dimensão média de um hectare. Uma realidade que pode ser transposta para toda essa região. O projeto-piloto teve a ajuda de uma associação de produtores florestais.

O segundo projeto-piloto decorreu na zona de Abrantes com a Sociedade Gestiverde, gestora de uma Zona de Intervenção Florestal (ZIF), conhecedora da área da intervenção, do território e dos proprietários.

António Macedo reconhece que não houve uma grande adesão a esta iniciativa, em parte devido ao tipo de medidas propostas e aos vínculos contratuais exigidos. Sendo necessário somar a esta realidade os incêndios de 2017, que arrasaram dois terços da ZIF de Abrantes e a totalidade em Cantanhede.

Aposta num modelo de proximidade

Aprendendo com os erros do passado na aproximação aos proprietários e produtores florestais e tendo por base o programa Growth Sul que visava o aumento da produtividade e resiliência aos incêndios. A iniciativa chamou a atenção da CELPA. O processo era simples: os proprietários tinham de investir para controlar a vegetação, corrigir as densidades e a gestão de combustível e, em troca, recebiam investimento para fazer a fertilização dos terrenos limpos.

Critérios de elegibilidade das áreas de eucaliptal

• Povoamento puro de eucalipto;
• Área com aptidão para eucalipto;
• Povoamento com idades entre 2 e 6 anos, preferencialmente até à 3.ª rotação;
• Densidades dos povoamentos (>800 cepos vivos);
• Áreas sem condicionantes ambientais, em particular, à adubação;
• Áreas superiores a 0,25 hectares por parcela com limite máximo de 25 hectares por proprietário;
• Prioridade e majoração da certificação florestal;
• Compromisso do proprietário em fazer a limpeza e a selecção de varas, de acordo com a recomendação técnica do Projeto Melhor Eucalipto.

A iniciativa, implementada no início de 2018 nos concelhos de Monchique, Odemira e Aljezur, foi bem acolhida pelos proprietários, tendo registado uma adesão de 104 proprietários e 1.002 hectares de área intervencionada. Contou ainda com três prestadores de serviços na execução do programa Growth Sul. A receptividade do modelo foi a espoleta necessária para a CELPA querer levar este modelo a outras áreas. “Achámos piada ao conceito. Percebemos que devíamos testar este modelo no minifúndio, começando com projectos-piloto nos concelhos de Cantanhede, Anadia e Águeda.”

Além disso, perceberam que não podiam envolver apenas associações de produtores florestais, sendo necessário abrir o leque a fornecedores de madeira e prestadores de serviços. “Estas entidades chegam a muitos pequenos proprietários e podem ajudar a aumentar a rede de parceiros envolvidos” diz o nosso interlocutor, sublinhando que “onde há negócio, a alavanca é outra, as coisas andam com outra desenvoltura”.

Em quatro semanas, com a participação de quatro parceiros (madeireiros, prestadores de serviços e organizações de produtores florestais) foram identificados mais de 200 hectares passíveis de acolher o programa. Fez-se obra em 150 hectares, correspondentes a 48 parcelas em spot, tendo a mais pequena meio hectare. Os proprietários limparam os terrenos e, em troca, receberam o adubo e a respectiva aplicação. “Havia um contentamento generalizado entre as pessoas”, explica António Macedo.

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Além de reduzir o risco de incêndio, o programa permite também aumentar a produtividade

De acordo com a CELPA, o modelo agora adotado foi um acerto. Mostrou que podia ser replicado numa escala maior e que a iniciativa Limpa & Aduba tinha capacidade mobilizadora no minifúndio. António Macedo explica o que, para ele, entendia serem os motivos que levaram esta iniciativa a ser bem-sucedida e percepcionada pelos aderentes ao programa.

“Se se limpar segundo recomendações técnicas diminui-se o risco de incêndio reduzindo a carga de combustível. Não quer isto dizer que esse terreno não possa arder, mas o risco é reduzido. Mesmo que aquele espaço arda, a sua resiliência é maior. Não deixa de arder, mas recupera de forma muito mais rápida.”

Além do risco de incêndio, o programa permite também aumentar a produtividade. Este pode ser o fio condutor para garantir a operacionalidade desta iniciativa por muito tempo. Num futuro próximo se o programa mostrar resultados, e permitir redução da madeira importada, o objectivo da CELPA é canalizar parte desse valor para a continuidade da iniciativa. Pois, com as restrições que há ao aumento de novas áreas de eucalipto, o desafio é aumentar a produtividade. “A margem de melhoria nas áreas de eucaliptal existentes é muito grande”, dando o exemplo do que aconteceu durante cinco anos consecutivos, numa rede de parcelas permanentes visitadas no terreno, 64% dessas parcelas não tinham quaisquer vestígios de gestão. O que mostra o abandono da floresta e a baixa produtividade existente.

Simplicidade de adesão

A gestão florestal compensa e este programa ajuda a promovê-la. Para António Macedo, os dois aspectos principais do Limpa & Aduba são “não existir nenhum compromisso em vender a madeira e uma desburocratização da adesão ao programa, sem documentação contratual, o que acaba por simplificar muito o processo de adesão”.

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O programa só é aplicado em áreas de eucaliptal puro, sem floresta mista, e em terrenos com aptidão média ou muito boa para o eucalipto

A estes dois pontos somam-se uma percepção positiva, por parte dos agentes da fileira, das vantagens e dos benefícios de haver “negócios”, seja para os madeireiros, proprietários, organizações de produtores florestais e prestadores de serviços, de haver intervenções ajustadas e a aplicação de boas práticas ao caso particular de cada propriedade e, por último, haver uma parceria para a retoma da gestão florestal.

O resultado dos projectos-piloto nestes 150 hectares foi esclarecedor. As intervenções foram visualmente perceptíveis, correspondendo a uma mata limpa e com densidade adequada, o que tem impacto na comunidade.

Chegar a 100 mil hectares

O Limpa & Aduba foi vocacionado para o minifúndio e desenhado para ser aplicado em cinco regiões. De acordo com os dados do inventário da CELPA, o programa só é aplicado em áreas de eucaliptal puro, sem floresta mista, e em terrenos com aptidão média ou muito boa para o eucalipto (ver caixa na pág. 54 com os critérios de elegibilidade). “Quanto mais cedo for feita a intervenção, melhores serão os resultados alcançados”, diz António Macedo, explicando que quando os recursos são limitados é necessário fazer escolhas. No território seleccionado para a intervenção, excluindo o património próprio gerido diretamente pela indústria, a área existente para o programa de beneficiação compreende 411 mil hectares.

O plano desenhado pela CELPA com o Limpa & Aduba, para um prazo de cinco anos, pretende chegar a 100 mil hectares de eucaliptal. O nosso interlocutor gostaria de ir mais longe, mas é muito difícil desenhar e implementar este plano, sobretudo no minifúndio. Está no ano zero, e ainda não há uma noção real da sua aceitação e de como se vai desenvolver a iniciativa no terreno. Para já, a receptividade está a ser positiva.

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Os impactos e os benefícios do programa Limpa & Aduba são claros para todos os intervenientes, distribuindo riqueza por toda a fileira florestal

O programa arrancou já em três regiões operacionais. Este ano cada região terá uma área de 2.000 hectares, totalizando uma intervenção numa área de 6.000 hectares. Para o próximo ano, com a ampliação da iniciativa a mais duas regiões, a área total abrangida será de 12 mil hectares, no ano seguinte atingirá os 15 mil hectares e depois 18.000. Será uma curva em crescendo até 2024, data em que a área intervencionada com o programa Limpa & Aduba terá alcançado os 100 mil hectares (ver tabela na pág. 57).

A floresta só é prioridade política nos programas eleitorais

Foi director-geral das Florestas entre 2002 e 2005. Ganhou essa função sem filiação política, apenas por mérito técnico, uma vez que veio da Soporcel. Reconhece que a decisão de mudar não foi fácil. “Uma pessoa dá tudo o que tem, espreme e não sai nada”, diz. Como acontece em todos os casos, a floresta é sempre uma prioridade nos programas políticos dos partidos, mas quando é para passar à acção, há sempre outras coisas para tratar. Com António Macedo, não foi diferente. Encontrou um ministro com outras prioridades no Ministério. Foi o caso de Armando Sevinate Pinto, ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas entre 2002 e Julho de 2004. Após os grandes incêndios de 2003, em que arderam 430 mil hectares, António Macedo diz que testemunhou que o ministro gastou 70% do seu tempo a repensar a floresta e a encontrar medidas para evitar a repetição de uma situação daquelas. Muitas das medidas que ainda existem surgiram nessa época. Surgiu a reforma estrutural do sector florestal que incluiu o fundo de gestão permanente – oriundo de uma taxa dos combustíveis, os GIF, o fundo de gestão.
Como profissional e técnico, António Macedo pensou que não seria possível superar a marca dos incêndios de 2003, que era irrepetível. Infelizmente, os acontecimentos e eventos de 2017 mostraram que estava errado.

Implementação através de parceiros

Este é o projecto que está desenhado e aprovado pela CELPA. Nas questões da metodologia e do processo, a CELPA não vai ligar-se à operacionalização directamente com proprietários, sendo a iniciativa implementada no terreno através de uma rede de parceiros. No entender da associação, a rede de parceiros pode ser uma organização de produtores florestais, um prestador de serviços, um madeireiro ou um grupo de certificação florestal. “Todas as entidades que, através da sua actividade CAE, cheguem aos proprietários e possam levarlhes esta iniciativa são entidades interessantes para integrar a rede de parceiros”, diz António Macedo.

Os impactos e os benefícios do programa Limpa & Aduba são claros para todos os intervenientes, distribuindo riqueza por toda a fileira florestal. A simplicidade de adesão ao programa, sem burocracia, permite aos proprietários aumentarem a produtividade no seu terreno, o que, na prática, é sinónimo de um aumento do rendimento. Mais madeira produzida na mesma extensão é positivo também para os madeireiros e para os prestadores de serviços. Ao estar limpa, a área terá mais resiliência aos incêndios, menos terreno ardido e menor perda. Estima-se que se verifique um aumento de dois milhões de metros cúbicos entre 2023 e 2033, o que permitirá substituir a madeira produzida em Portugal por uma parte da madeira importada pela indústria.

António Macedo sabe que, para a iniciativa ser bem-sucedida, é necessário ter uma boa estratégia de comunicação do programa, dentro e fora das empresas, sendo necessário escolher criteriosamente a rede de parceiros, no sentido de incluir entidades ou empresas que consigam ver o valor e os benefícios desta iniciativa: “Os parceiros não se podem sentir ameaçados pela indústria ou entrar em competição. A indústria tem um histórico muito voltado para dentro, para as suas necessidades e o seu património. Este é um programa de grande dimensão para a promoção e a valorização da floresta privada, que pode trazer alguns conflitos com os prestadores de serviços. É necessário ter alguma sensibilidade neste tema.”