Um maior e melhor desenvolvimento da Humanidade

Este número da Altri News é dedicado à Igualdade de Género. Acompanho a Altri há muitos anos, mas devo dizer que, desde que passei a integrar o seu Conselho de Administração como não executiva, fiquei muito feliz ao constatar a importância e grau de atenção que são dados a temas como a Sustentabilidade e Igualdade […]

Este número da Altri News é dedicado à Igualdade de Género. Acompanho a Altri há muitos anos, mas devo dizer que, desde que passei a integrar o seu Conselho de Administração como não executiva, fiquei muito feliz ao constatar a importância e grau de atenção que são dados a temas como a Sustentabilidade e Igualdade de Género.

Os testemunhos de várias colaboradoras da Altri refletem isso mesmo. O problema não está na Altri nem na legislação, que tem sido um fator decisivo no acelerar do processo, mas ainda é, entre nós, um problema, sobretudo de educação e de mentalidades que, se nada for feito, pode levar várias gerações a mudar.

Um dos objetivos do compromisso 2030 da Altri é duplicar o número de mulheres em posição de liderança, o que é um objetivo extremamente ambicioso e difícil, mas que demonstra bem a preocupação e o empenho da Altri em relação à promoção da Igualdade de Género.

Numa empresa industrial com as características da Altri, em que tradicionalmente a preponderância de colaboradores masculinos é enorme, a Igualdade de Género é particularmente desafiante.

A questão pode pôr-se desde logo ao nível do recrutamento, sobretudo na área industrial. Embora em Portugal a percentagem de mulheres licenciadas seja, ao nível global, bem superior a 50%, nas engenharias anda à volta de 30%. E trata-se, evidentemente, de uma opção das mulheres pois, como é sabido, elas têm em geral melhores notas de acesso ao ensino superior.

Já nas áreas ligadas à Educação e à Saúde a percentagem de mulheres licenciadas é de cerca de 80%, o que estará naturalmente associado à ideia da mulher maternal e cuidadora. Apesar disso, devo dizer que, há uns anos, o CEO de uma empresa industrial, embora de uma indústria mais “leve” que a Altri, comentava comigo que estava num dilema, porque tinham aberto concurso para sete vagas na área industrial e os cinco melhores currículos eram de mulheres.

O facto de as mulheres ainda optarem menos por cursos ligados às engenharias ou ciências da computação, considerados “cursos do futuro”, sendo uma opção, deve ser naturalmente respeitada. O problema é se essa opção é condicionada. Eu sei que se evoluiu muitíssimo nos últimos anos, mas, no meu caso, quando no fim do atual nono ano tive de escolher a área que queria seguir, o meu pai fez tudo para que eu escolhesse um curso de letras para poder ficar a dar aulas na faculdade e fazer traduções em casa e assim poder acompanhar a educação dos filhos. Era o que ele gostaria para as filhas, enquanto para os filhos já queria um curso de engenharia – que era o seu – ou de gestão. E o meu pai adorava as filhas e achava-as muito inteligentes. A verdade é que quando acabei o liceu decidi que queria ir para Economia e não tinha feito Matemática e tive que me preparar de forma muito intensa para ir a exame.

Ultrapassada que está, pelo menos nos países mais desenvolvidos, a demonstração da igualdade de género ao nível da inteligência e da capacidade – basta olhar para os números de licenciados e de doutorados em Portugal, em que a percentagem de mulheres, no caso dos licenciados há já muitos anos e no caso dos doutorados desde 2008, ultrapassou a dos homens – continua a existir um enorme fosso ao nível da progressão da carreira e das posições de liderança.

As principais causas apontadas são a dificuldade em conciliar a vida profissional com a vida pessoal e familiar e o facto de as mulheres serem menos ambiciosas e terem menos autoconfiança. Nada disso se muda por decreto.

A ambição profissional continua a ser expectável e incentivada num homem mas, numa mulher nem tanto. É muitas vezes associada a agressividade e atitudes pouco “femininas” ou “duronas”.

As mulheres ainda sentem que, em geral, é mais difícil um homem aceitar ser liderado por uma mulher do que por outro homem. Por outro lado as mulheres tendem a ter maior dificuldade em reclamar aumentos de salários ou negociar promoções na carreira, quer por feitio quer porque isso poderá não ser tão importante para elas como é para eles, em parte pela diferente pressão social.

A autoconfiança tenderá naturalmente a aumentar à medida que haja mais e mais casos de liderança bem-sucedida no feminino e que essa situação passe a ser normal. O exemplo pode fazer muito pela autoconfiança. Daí que as quotas possam ser tão importantes, transitoriamente, para assegurar maior rapidez ao processo. Também o coaching para mulheres nas empresas, fazendo-as tomar consciência das suas capacidades e oportunidades pode ter um papel relevante.

Já a conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar só será verdadeiramente possível com uma mudança de mentalidades e de atitudes, quer das mulheres quer dos homens, designadamente em relação às tarefas domésticas, mas sobretudo em relação aos filhos pequenos. As mulheres, em geral, sentem-se mais responsáveis pelo cuidado e pela educação dos filhos e fazem muitas vezes sacrifícios enormes, em algumas fases da vida, para que isso não prejudique a sua carreira. Ou fazem opções, o que é perfeitamente legítimo. Só que muitas vezes são opções forçadas ou condicionadas, o que é extremamente injusto. A recente obrigatoriedade de o pai gozar a licença de parentalidade é uma medida importante, pois, embora a possibilidade já existisse, os homens tendiam a ter pruridos em usá-la.

A atual pandemia, com o encerramento das escolas e mais tarefas para executar em casa, foi provavelmente muito mais dura para as mulheres do que para os homens, mas ao demonstrar que a flexibilidade em matéria de local de trabalho é possível e funciona, pode no futuro constituir um enorme avanço na conciliação entre a vida profissional e pessoal de homens e mulheres.

A luta pela igualdade de género não é só uma questão moral ou de justiça social. É uma luta por um maior e melhor desenvolvimento da Humanidade. Nem todos os homens, nem todas as mulheres podem e querem ser líderes ou cientistas extraordinários. Mas sendo os grandes talentos tão escassos, duplicar o seu número potencial contribuirá certamente para um enorme progresso da Humanidade.

É importante celebrar as conquistas, que são enormes e que não são só das mulheres, são também dos homens. E também é importante ter consciência de que ainda há um enorme caminho a percorrer.