“Foste a minha mãe e ninguém te pode tirar isso. Desde o acordar de manhã com a tua voz – quer fosse para a escola ou ao fim de semana – até à noite, sempre estiveste connosco. Memórias já muitas as perdi. Porque infelizmente, ou não, habituei-me a ver-te assim. Mas aqui está o que me lembro. Lembro-me dos nossos passeios à avó, em que antes da transição da doença me perguntavas sempre: “Achas que sou uma boa mãe?” E eu respondia: “Claro, mãe, porque perguntas isso?”. Lembro-me das tuas discussões com o pai. Lembro-me das nossas férias em Troia. Houve um dia em que só eu, tu e o Fred fomos à praia de manhã. Agarraste em mim e arrastaste-me pela água. 

Lembro-me de seres lutadora pelo que querias mas que, infelizmente, te ias abaixo muito facilmente. Gostava de ter dito que foste corajosa por teres ficado com os teus três filhos e que nunca os abandonaste. Já eu, dá-me a sensação de que te abandonei na primeira oportunidade que tive. Sei que já não me podes ouvir, mas queria-te pedir desculpas, a ti e aos meus outros dois irmãos. Ao resto da família só tenho a agradecer, pois foram simplesmente fantásticos. A nossa sorte foi mesmo esta, a família. É isso a que estou grato. Muitos contam histórias da tua diversão e que passaste bons tempos mas, do que eu presenciei, poucos foram esses momentos. Posso enumerar alguns. As nossas férias, os aniversários, os nossos passeios. De resto, parece-me que te vi mais a sofrer e a lutar pelo que amavas. Se ainda me percebesses, queria dizer-te que foste a melhor mãe que tive. Um dos únicos e raros apoios que tive…

Hoje em dia, se te fosse a dizer isso, apenas me irias expressar aquele teu sorriso que sempre fazes quando chego à avó. Custou-me muito perder-te aos bocados e agora vais para um sítio ainda mais distante. Saber que não estás ali mesmo ao lado entristece-me ainda mais. Mas, estranhamente, não devia, porque é o melhor para ti e, hoje em dia, quando olho para ti, pareces-me feliz. Num mundo só teu, onde ainda vais reconhecendo caras familiares. E quando assim é, conseguimos ver-te sorrir. 

Sempre foste uma pessoa com medo do escuro, nunca gostaste de dormir sozinha. Lembro-me de eu e o Fred dormirmos contigo. Espero que daqui para a frente não tenhas medo de dormir sozinha, espero que esse mundo em que tu vives, quer algumas vezes aparentemente consciente ou inconsciente, tenha imagens ou até mesmo ilusões nossas, para que nunca fiques sozinha.

Nunca te disse isto e também nunca o ouvirás conscientemente, mas espero que lá no fundo tu soubesses – Amo-te, mãe!”

Testemunho enviado pela Associação Nacional de Cuidadores Informais, reproduzido na íntegra.