Estudos internacionais apontam para um número cada vez maior de vegetarianos no mundo, influenciados pelas preocupações éticas e ambientais — relacionadas com a proteção do ambiente e dos animais —, mas também por razões de saúde. Há mais livros, mais receitas, mais revistas e mais alternativas nos restaurantes e supermercados, o que levou a Direção-Geral da Saúde a lançar um manual com as orientações para a alimentação vegetariana e, particularmente, para a estrita (ou vegana) — a que exclui todos os produtos de origem animal. 

Isto, porque o vegetarianismo é muitas vezes defendido como uma alimentação mais saudável, mas para a Ordem dos Nutricionistas, como em qualquer outro padrão alimentar, estas dietas podem ser inadequadasse mal planeadas, com défice de nutrientes ou com consumo excessivo de alimentos processados ricos em sal ou gordura

Para a DGS, a adoção e manutenção de uma dieta vegetariana e, em particular, uma dieta vegana, exige conhecimentos alimentares e nutricionais que, “apesar de serem simples, não são intuitivos”.

Um dos grandes objetivos do manual é realçar a importância do consumo de produtos de origem vegetal na prevenção da doença, nomeadamente as doenças crónicas (cardiovascular, oncológica, diabetes e obesidade). Segundo a DGS, um dos motivos que mais influenciam a perda de anos de vida com qualidade saudável é a alimentação não saudável, sobretudo a pobre em fruta e hortícolas.

No manual de Linhas de Orientação para uma Alimentação Vegetariana Saudável, a DGS aponta para o consumo excessivo de produtos de origem animal como estando relacionado com um risco aumentado de vários tipos de doenças crónicas. Por outro lado, o consumo de produtos alimentares como fruta, hortícolas leguminosas, cereais integrais e frutos gordos tem sido associado a um menor risco de doenças crónicas e uma maior longevidade.

Tradicionalmente, a alimentação portuguesa é muito rica em vegetais, pelo que a adoção deste padrão alimentar não é necessariamente difícil ou radical, já que existe oferta abundante e variada de vegetais ao longo do ano. Mas ainda assim deve ser uma transição feita com cuidado, já que pode acarretar riscos, como a carência de vitaminas (B12 e D), de minerais (ferro, cálcio, zinco), de proteína de qualidade e de ácidos gordos essenciais.

1. Diversidade é fundamental

Para a DGS, deve ter em conta a ingestão apropriada de nutrientes como a proteína, ácidos gordos essenciais, vitamina B12, vitamina D, iodo, ferro, cálcio e zinco, e também o valor energético. É também fundamental a diversidade de alimentos, a redução das quantidades de sal, açúcar e gorduras saturadas, assim como a ingestão adequada de água. Uma refeição vegetariana não significa imediatamente que seja saudável. É preciso que os alimentos sejam juntos de forma a resultarem em proteína de qualidade. Por isso, a diversidade e a variedade na dieta vegetariana são essenciais para garantir os nutrientes necessários. 

2. Alimentos para uma dieta completa e equilibrada

Uma dieta vegetariana variada e nutricionalmente adequada é, para a DGS, possível, exequível e desejável, ao recorrer maioritariamente a produtos de tradição alimentar portuguesa. E que produtos são esses?

3. Proteína combina com energia

Há duas formas de quantificar a qualidade proteica: pelo conteúdo em aminoácidos e pela digestibilidade. 

Primeiro, os alimentos com teores elevados de aminoácidos são considerados de alto valor biológico e as proteínas de vários alimentos de origem vegetal são constituídas por todos os aminoácidos essenciais (como a soja, a quinoa e o amaranto), no entanto, a quantidade de um ou dois aminoácidos pode ser baixa ou limitante. Para a DGS, “numa dieta vegetariana, uma diversidade de alimentos de origem alimentar permite, através da complementaridade dos seus aminoácidos, atingir facilmente as recomendações quer proteicas quer em aminoácidos”. Com a ingestão de um só alimento é possível alcançar as necessidades proteicas e de todos os aminoácidos, mas desde que uma quantidade suficiente de alimento seja consumida. Quanto menor for a qualidade proteica do alimento, mais quantidade desse alimento vai ser necessário consumir. 

Segundo, a digestibilidade proteica dos alimentos de uma dieta vegetariana é, habitualmente, menor do que a dos alimentos de uma dieta não vegetariana. Por isso, a DGS aconselha a, por exemplo, demolhar, descascar e germinar leguminosas para aumentar a digestibilidade proteica. “Cozinhar em panela de pressão, comparativamente com o método tradicional, é o método mais eficaz para aumentar a digestibilidade proteica”, explica. 

De acordo com a DGS, “uma combinação de proteínas vegetais com o consumo adequado de energia fornece aminoácidos suficientes para atingir as necessidades proteicas”. Ao consumir uma quantidade e variedade adequada de cereais e leguminosas e atingir as necessidades energéticas, a qualidade proteica está assegurada, sendo semelhante à da carne

Tanto em vegetarianos com em não vegetarianos, pode surgir deficiência proteica, quando não se atingem as necessidades energéticas ou quando as calorias ingeridas têm origem em alimentos de elevada densidade energética ou de baixa densidade nutricional, explica a DGS no manual.

Fontes importantes de proteína

4. Gordura privilegiada

Numa alimentação saudável, as gorduras provenientes de diferentes alimentos são essenciais para o bom funcionamento do organismo. Quando consumidas nas doses recomendadas, são toleradas e até têm efeitos benéficos! Quem segue uma dieta vegetariana, deve privilegiar o consumo de gorduras monoinsaturadas, como o azeite, e evitar o consumo de gorduras hidrogenadas e trans, presentes nos alimentos processados. Fontes alimentares como algas, microalgas, sementes de linhaça, chia e cânhamo, soja (e óleo de soja), nozes e beldroegas são alguns dos alimentos que devem ser incluídos para garantir um consumo adequado de ómega 6 e ómega 3.

5. Essencial vitamina B12

Segundo a DGS, “os sintomas da deficiência podem surgir passados dois a cinco anos após o início de uma dieta que não inclua fontes desta vitamina”, alerta. A deficiência em vitamina B12 pode resultar numa anemia megaloblástica, na diminuição da divisão celular e em alterações neurológicas, incluindo a demência. Alguns sintomas revelam-se tardiamente: parestesias (frio, calor, formigueiro, agulhadas, adormecimento, pressão….), diminuição da sensibilidade periférica, dificuldade em caminhar, perda de concentração. Estes sintomas podem mesmo ser irreversíveis.

Não deve ser, por isso, descurada a suplementação e a ingestão de alimentos fortificadosalternativas à carne, extrato de levedura, bebidas vegetais, cereais de pequeno-almoço e suplementos indicados para vegetarianos e veganos.

6. Necessidades especiais

Uma dieta vegetariana pode levar a uma carência de vitamina A, ferro, zinco e cálcio. São componentes essenciais ao organismo e que se encontram sobretudo em alimentos de origem animal. Por exemplo, a vitamina A é essencial para a visão, crescimento, diferenciação e proliferação celular, reprodução e integridade do sistema imunitário. Segundo a DGS, para os vegetarianos atingirem as necessidades desta vitamina devem consumir alimentos ricos em provitamina, como frutos e hortícolas (verdes, cor de laranja e amarelos), assim como cremes vegetais fortificados

Já a deficiência em ferro — que, segundo a Organização Mundial da Saúde, é a deficiência nutricional mais comum do mundo, tanto na população vegetariana como na não vegetariana — pede um reforço da ingestão diária recomendada de ferro, sobretudo para quem segue a dieta vegetariana. Isto porque os alimentos de origem vegetal contêm apenas ferro não heme, que representa uma absorção inferior pelo trato gastrointestinal, em comparação com o ferro tipo heme. Assim, deve haver um reforço de alimentos ricos em ferro não heme: leguminosas, cereais de pequeno-almoço fortificados, cereais integrais, tofu, vegetais de cor verde-escura, sementes, frutos gordos e tempeh

Sabia que alimentos fermentados, molho de soja e pão de massa velha aumentam a absorção de ferro? Segundo a DGS, alguns truques incluem demolhar e germinar leguminosas, grãos e sementes, para diminuir o conteúdo em fitatos e melhorar a absorção do ferro. Também o uso de panelas de ferro aumenta o teor deste mineral nos alimentos. Adicionar acidificantes, como citrinos e vinagres, também é uma forma de promover a diminuição dos fitatos.

O zinco é também necessário para o crescimento e desenvolvimento normal e essencial para o cuidado do paladar, além de ter um papel importante no sistema imunitário. Apesar de se encontrar tanto em alimentos de origem animal como vegetal, a absorção do zinco de origem vegetal é inferior. Pão, cereais, leguminosas, frutos gordos, sementes, são fontes alimentares de zinco que devem ser incluídas no regime alimentar diário. 

Em relação ao cálcio, aqueles que seguem uma dieta ovolactovegetariana precisam apenas de duas a três porções de leite, queijo e iogurte para atingir as necessidades deste nutriente na maioria das faixas etárias, explica a DGS. Mas para quem segue o padrão vegano, há outros alimentos essenciais para obter o cálcio necessário: hortícolas de cor verde-escura, leguminosas, sementes e frutos gordos e alimentos fortificados como tofu, bebida de soja, aveia, amêndoa ou arroz e cereais de pequeno-almoço.

Dica da DGS: utilizar menos sal (substituindo-o, por exemplo, por ervas aromáticas) diminui as perdas de cálcio na urina. Manter os níveis de vitamina D e limitar o consumo de cafeína são também benéficos para a manutenção dos níveis de cálcio. 

Segundo a DGS, “uma das principais razões apontadas para a opção por uma dieta vegetariana tem sido as questões ambientais. As escolhas alimentares provocam um grande impacto na natureza. Por exemplo, na Europa, o consumo alimentar representa 20% a 30% do impacto alimentar de uma família e pequenas mudanças, como a eliminação da carne, podem ter grande influência nesta redução”.

Uma dieta sustentável deve ter em conta os padrões alimentares saudáveis tanto para quem consome como para o meio ambiente. Para a DGS, isso significa que deve ter um baixo impacto ambiental, contribuindo para padrões elevados de segurança alimentar e saúde das gerações futuras. Deve “proteger e respeitar a biodiversidade e os ecossistemas, ser culturalmente aceite, facilmente acessível, economicamente justa e, se possível, nutricionalmente adequada, segura e saudável”, acrescenta.

Alimentação vegetariana


– Ovolactovegetariana — exclui carne e pescado, permite ovos e laticínios.

– Lactovegetariana — exclui carne, pescado e ovos, permite laticínios.

– Ovovegetariana — exclui carne, pescado e laticínios, permite ovos.

– Vegetariana estrita e vegana — exclui todos os alimentos de origem animal.


Inspiração para os dias “sem carne” na cozinha




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